06/01/07

Sobre a Indústria (do surf, bodyboard e similares)

O conflito entre a Indústria e a Natureza também presente no mundo das ondas.

Toda a Indústria têm a infeliz tendência
para explorar até à exaustão o meio do qual depende. O conceito de Desenvolvimento Sustentável está ainda longe de ser uma realidade no meio dos "desportos de ondas" e o aumento em espiral de praticantes compromete diáriamente a qualidade de vida de todos aqueles que vêm as ondas como um supremo prémio após um dia ou semana de trabalho.

O prazer lúdico de surfar
, que teve a sua origem nos antigos reis polinésios e que era entendido como algo de quase sagrado, tornou-se na modernidade num desporto e mais recentemente num "desporto radical" vocacionado para o espectáculo com a intenção de atrair cada vez mais público de forma a que este, por sua vez se torne consumidor dos diversos produtos comercializados pelas diversas marcas que compõem esta indústria. Nesta realidade o prazer de correr vagas de mar está actualmente quase refém desta indústria, que se impõe de uma forma agressiva dirigindo e condicionando o modo de pensar e actuar das novas gerações, e mesmo até dos não já tão novos que nunca tiverem a coragem ou lucidez para serem iguais a si próprios e desvincularem-se das suas directivas e manipulações.

O acto de surfar, independentemente da sua forma, tende a tornar-se hoje em dia num mero objecto de consumo que serve para se vender a si próprio (vende pranchas, fatos, roupas e até acessórios inúteis), bem como para vender produtos totalmente exteriores a actividade (desodorizantes, sabonetes, carros etc). Actualmente o ostentar o símbolo ou a marca é tão ou mais importante do que o correr uma onda...

Esta auto-proclamada indústria, e tal como outra qualquer, tem apenas como principal objectivo vender e facturar, utilizando para tal todas as estratégias de Marketing e Publicidade ao seu alcance. Em termos de Publicidade a indústria usa os seus consumidores como suportes publicitários que gratuitamente promovem os seus logotipos e simbolos, constantemente estampados em todos os produtos. Nos anos 90 o "surfwear" era composto por motivos e imagem de ondas a serem surfadas, hoje a maior parte desta roupa limita-se a apresentar um logotipo da forma mais visível possivel, de forma a que possa ser visto pelo maior número de pessoas, que são utilizadas como suportes de publicidade grátis. Pessoalmente não me sinto bem em ser usado desta forma e por isso não consumo estas modas, que são lançadas e impostas para nos fazer pensar que também fazemos parte do "grupo".
Inserido nos seus planos de Marketing a indústria lança constantemente no mercado novos produtos, novas pranchas e novos fatos, de forma a manter e aumentar o seu nível de vendas. Muitos dos produtos lançados e entendidos como fruto da investigação e desenvolvimento, não passam de meros objectos de consumo que apenas tem a "vantagem" de se apresentarem como novidade, não trazendo nenhum benefício real para o consumidor e muito menos para a comunidade.

Um exemplo concreto: No final da década de 90 os tails das pranchas de bodyboard mudaram significativamente de formato, introduzindo-se o "Bat-Tail" (arredondado com pequenos ângulos dos lados), o qual na realidade e de uma forma geral funciona bem em todo o tipo de ondas. Tornou-se assim obsoleto o tradicional "Tail" Crescente, passando as grandes marcas e os competidores a apostar neste novo design pelo seu bom desempenho e caracteristicas inovadoras. Hoje em dia, e passados alguns sem inovações significativas que pudessem criar novas expectativas nos consumidores, voltaram a introduzir o tal "Tail" Crescente original, afirmando que afinal este design permite um melhor desempenho em ondas grandes e buraco...afinal era obsoleto, mas agora já tem utilidade?!? Existem inúmeros casos idênticos a este no surf e basta estar por cá à alguns anos com alguma atenção para ver as voltas e estratégias que a indústria usa para animar o mercado e fazer aquilo que lhes interessa: vender, vender e vender.

Um outro assunto é o do retorno social que a industria deveria dar ao meio e à comunidade que a sustenta. Este retorno na realidade é nulo ou quase nulo face aos lucros desta indústria, uma vez que se limita a:
1) introduzir novos produtos no mercado, sem os quais não poderia continuar a ganhar dinheiro, pelo que este factor não pode ser entendido como retorno social para com a comunidade, mas antes como a forma desta indústria encontrar a sua sustentabilidade e viabilidade económica.
2) promover campeonatos, que mais do que provas desportivas são acima de tudo eventos promocionais e publicitários dos diversos participantes e seus patrocinadores.
Quando me refiro a retorno social, refiro-me a algo que a indústria faça regularmente para benefeciar a comunidade que a sustenta (financiar sistemas de tratamento de esgotos para despoluir as praias, apostar no desenvolvimento de fundos artificiais que permitam criar novas ondas de qualidade e assim diminuir a pressão e concentração do crowd). Sinceramente não me consigo lembrar de nenhuma iniciativa altruista e desinteressada desenvolvida por uma grande marca em prol do praticante anónimo que é a base de todo este negócio, uma vez que é quem compra os produtos. Lembro-me, isso sim, do retorno dado aos patrocinados das marcas e até de alguns vendedores que vão passear pelo mundo e surfar as melhores ondas do planeta à custa dos milhões que alguém lhes entrega só para ter uns calções iguais, ou quase iguais, ao campeão do mundo...e lembro-me
também dos bons carros em que andam, o que espelha bem os lucros do negócio.

Deixo aqui uma pergunta: Que iniciativas realmente úteis, visiveis e empenhadas foram desenvolvidas pelas grandes marcas internacionais representadas em Portugal de forma a pressionar, sensibilizar ou a dissuadir o Governo Regional da Madeira relativamente à construção das inúmeras infraestruturas que destruiram ou diminuiram a qualidade de várias ondas conhecidas naquela Região?

O Problema e a Solução:
Uma vez que a indústria tomou para si algo que não é seu sem qualquer tipo de retorno verdadeiro, cabe a todos os apaixonados pelas ondas tomá-las de volta. Para tal basta retirar força a esta indústria reduzindo-lhe os lucros e importância de uma forma muito simples: compar apenas o material estritamente necessário para surfar.

2 comentários:

Faria disse...

De facto as grandes marcas associadas a acessórios e produtos de surfwear nada fizeram no caso das ondas Madeirenses, mas para quem conhesse bem a realidade Madeirense acho que isso não seria inútil, mas pouco significativo a nível do impacto das obras sobre as ondas afectadas na Madeira! De facto o que conta é a intenção e não o resultado obtido!Enfim....Haver veremos se o negócio em torno do surf trará, no futuro benéfecios concretos na preservação da natureza! Porque acho que não podemos descurar a importância, nestes casos, que as todo poderosas marcas de surf podem ter na salvaguarda de picos de grande qualidade para a prática do surf, promovendo e até publicitando capamanhas de valorização desses mesmos picos. O imapcto negativo da divulgação é relativo, porque eu considero existir boa e má divulgação! A divulgação no caso da Madeira poderia seria à partida uma mais valia para a preservação das ondas, divulgação esta que bem dirigida e controlada havia concerteza de trazer benefícios directos ou até secundários. Afinal (segundo a minha opinião) importa mesmo para o surfista mais recatado e aventureiro ter conhecimento ou uma noção do que importa conhecer!porque só se valoriza e preserva, na maior parte das vezes, dando a conhecer e partilhando lugares belos e mágicos!Existem Prós e Contrás nestas situaçôes a que se deve atentar!A questão vai sempre bater ao mesmo ponto que é: tratasse sempre tudo de boas ou más intençôes por parte das pessoas. Assim os mecanismos e meios, quer dizer a divulgação ao serviço dos amantes do mar; dependem de grosso modo da acção que se tem em mente...

Altar Mar disse...

Olá Faria

Agradeço a tua participação aqui no blog.

Realmente no caso Madeira as coisas eram e são complicadas pois o vil metal e os investimentos no betão falam sempre mais alto.

A Madeira é um exemplo de como a divulgação das ondas não impede a sua destruição. No Jardim foram realizadas várias edições de um campeonato internacional que teve o apoio do Governo Regional através da Direcção Regional de Turismo. O surf é mesmo (ou era) usado como cartaz promocional da região...isto até o Alberto João ter dito publicamente "Acabou-se o surf na Madeira! Vão surfar para outro sitio..." (as palavras são dele e não minhas!!!). Na Madeira o conhecimento da existência das ondas não impediu a aprovação e construção de estruturas que nalguns casos destruiram por completo as ondas. É tudo uma questão de interesses financeiros...

Neste caso a Indústria do Surf Business nada fez e o pouco que foi conseguido deveu-se a acção de alguns locais e da Save the Waves. A indústria apenas está preocupada em explorar financeiramente as ondas e pouco mais. A questão ambiental é apenas usada para fingir que são muito "green" e ecologistas quando na realidade o investimento em iniciativas de protecção ambiental não faz parte das suas despesas e encargos.

Recentemente a R.C (recuso-me a fazer pub à marca) investiu num campeonato internacional no Chile numa onda que ultimamente se tornou bastante conhecida. Essa mesma onda está ameaçada com a construção de um esgoto indústrial, pelo que uma associação de surf ecologista solicitou apoio financeiro à R.C para financiar iniciativas de sensibilização e pressão contra esse esgoto. A R.C recusou qualquer apoio financeiro à asssociação oferecendo apenas apoio logístico...Para investirem milhares de dólares no campeonato têm dinheiro, mas para apoiar a protecção da onda no qual o campeonato se realiza já não. É esta a politica ambiental e o retorno social do "magnifico surf business".

Deixo abaixo o link para mais informações sobre o assunto:

http://greensurfing.blogspot.com/2007/01/surf-industrys-true-colors.html