04/05/07

Sobre o Localismo - Parte I


Ser local é muito mais do que viver na praia...Foto: Pedro Ferro

O localismo é essencialmente um reflexo do excesso de exposição mediática de uma onda
ou zona, sendo nesta perspectiva ainda uma tentativa de evitar a invasão pelo crowd dessa mesma onda ou zona. Numa outra perspectiva será um acto irracional, violento e totalmente reprovável por parte de um grupo de residentes contra todos os forasteiros. Cada um terá a sua ideia acerca deste fenómeno.

Pessoalmente penso que local é aquele que vivendo ou surfando regularmente uma determinada onda se sente como pertencente a esse lugar, se sente com a responsabilidade de defender aquele espaço, que por ser de todos também é seu. Este direito ou legitimidade vem-lhe do facto de um local ser aquele que nos dias de chuva, de vento, de mar torto ou de faltada está sempre presente e não quem apenas aparece com ar triunfante nos dias clássicos de off-shore. Um local sente o espaço onde surfa como seu e sente igualmente que tem o dever de o preservar contra qualquer situação que de alguma forma possa por em causa toda a involvente fisica e espiritual que circunda as ondas. Um local têm preocupações urbanísticas, ecológicas, ambientais e sociais relacionadas com o lugar onde vive e surfa. É exactamente esta constante presença e sentido de pertença que faz de alguém local, mais do que propriamente o seu elevado, ou não, nivel técnico ao correr uma vaga de mar.

Local é por fim aquele que viajando sabe respeitar os outros locais, adquirindo uma postura não competitiva dentro de água, é aquele que sabe respeitar os outros que nessa zona são locais e que consegue entender que não é correcto disputar ondas nem armar-se em galifão. Local é ainda aquele que rejeita que as ondas que surfa sejam divulgadas nos diversos media e que convida a ir embora aqueles que não sabem respeitar esta opção.

Para acabar local é quem se impõe pela presença constante e pela determinação com que acarinha aquele pedaço de mar que sente como seu e no qual o sal do seu suor se mistura com o sal do mar e das ondas. Nesta perspectiva também eu serei local do lugar onde moro e das ondas nas quais ao longo dos vários anos tenho sido presença constante, ondas essas que fazem irremediável parte da minha vida. Muito mais, de positivo e negativo, haveria para dizer sobre o localismo...

8 comentários:

eli disse...

não sei se isto faz muito sentido. mas quando oiço falar de "locais", lembro-me sempre do havai e dos habitantes que têm direito áquelas praias "privadas". compreendo que queiram o que é deles para eles e é obvio que se derem muito a conhecer, deixam de ser pequenos paraisos. mas temos que concordar que há belezas que merecem ser vistas.

Altar Mar disse...

Faz sentido o que dizes. Se por um lado certos espaços naturais devem ser partilhados e conhecidos, por outro a sua massificação leva inevitávelmente a sua deteriorização e por vezes até a sua total destruição. Infelizmente existem coisas que devido à sua fragilidade, e para se materem puras, não podem ser partilhadas por muitas pessoas. O mesmo se passa com as ondas. Gostava que assim não fosse, mas é uma constatação diária.

Anónimo disse...

Eu acho que os lugares secretos que tu tanto defendes ao longo do teu discurso deviam manter-se tão secretos que nem a existência deles denunciasses. Imagina só toda este gente que nunca saiu da costa da caparica, carcavelos e co, o que nao se passará na cabeça deste gente ao começar a desconfiar que existem muito mais sítios por ai, outros spots e outros ondas, imagina este gente a pegar num mapa de portugal e começar a procurar.... já pensaste nisso?
divulgar a existencia de praias e ondas secretas num sitio tao aberto como a internet, pode ser perigoso. depois nao digas que nao te avisei.
fica bem
fernando

Altar Mar disse...

Concordo plenamente contigo, dai o facto de não colocar fotos de ondas (conhecidas ou não) neste blog, nem tão pouco veicular qualquer informação que permita identificar ou localizar qualquer onda ou zona geográfica.

Também concordo contigo quando referes que o melhor será nem falar da suposta existência de ondas desconhecidas, pois até essa referência pode suscitar curiosidades. Porém como pretendo, dentro dos meus limites, sensibilizar quem lê este blog para os assuntos expostos, penso que é um mal necessário referir a hipotética existência de outras ondas para além das mais massificadas de forma a que se um dia forem encontradas, estas sejam respeitadas no seu secretismo.

Talvez se as pessoas tiverem mais sensibilidade e consciência possam dar valor e respeitar aquilo que encontram. Talvez...

HEM disse...

...concordo com o conteúdo do teu post e do comentário.

Acho que existe um certo dever de "educar" numa certa cultura de civismo as novas gerações/surfistas, para quando eles descubram/redescubram esses picos, eles tenham a sabedoria de os manter na sua maior integridade.

É inevitável essa descoberta, e - por experiência própria falo - custa um pouco engolir o facto de a “nossa dama”, depois de muitos anos, estar a ser surfada por pessoas que não conhecemos; mas, do mal o menos, que sejam pessoas de respeito e não paparucos.
Daí a necessidade dessa “educação” ao passar o testemunho, de modo a que esses picos não fiquem ao abandono e sujeitos a fenómenos anarcas e da “lei do mais forte”.

Cumprimentos.

Altar Mar disse...

Olá HEM

Penso que quem anda nisto à mais tempo tem a obrigação de educar e de mostrar uma visão alternativa à dominante protagonizada pelos media e pela indústria, dos quais destaco pela negativa a Vert, que condiciona a mentalidade das novas gerações de uma forma meramente competitiva e agressiva.

Neste blog tento passar uma ideia soul de surfar, mostrando que é possivel estar no mar de uma forma diferente e harmoniosa.

Agradeço o teu comentário presente e futuros.

cidadao vagamundo disse...

Olá!

Bom blog, bons temas e bons argumentos!
Não tenho grande experiencia mas ainda assim gostava de mandar a minha posta de pescada.
Acho que o localismo apesar de por vezes levado a extremos faz muito sentido e é tambem com ele que aprendemos algumas coisas no bodyboard (que acabam por nos ser úteis na vida diária).
Uma vez que se trata de um desporto que está na moda (enfim, o surf de certo que esta mais) haverá muita gente que o pratica, ainda que sendo numa fase inicial (ou nao), por mediatismo. Perde-se o respeito pelos que ja la andam ha anos, etc Daí achar que o localismo seja essencial para de certa forma impor respeito! A coisa mais essencial seja fora ou dentro de água.

O bodyboard confronta-nos com esta situação. Mas sinceramente acho que se trata mais de uma questão de personalidade do que um problema do bodyboard. Scalhar fora de água nao estariamos sujeitos tao directamente a uma situação de "possessividade" como é o localismo, o que pode ser bom, aprendendo desta forma a lidar com o assunto e a crescer um bocado, tomando a nossa posição relativamente a ele.

Localismo faz falta a meu ver. Agora tudo o que é em excesso, faz mal, sendo que esse excesso (enquanto conceito) depois depende do que passa pela cabeça de cada bodyboarder/pessoa.

Altar Mar disse...

Resposta a Cidadão Vagamundo:

O localismo saudável é aquele que serve de ponto de equilibrio e que estabelece uma certa ordem dentro de água. Tal como a Lei Portuguesa estabelece a figura juridica do Uso Capião, ou seja, por lei quem usa um terreno sem dono de forma regular e consistentemente durante décadas tem direito à sua posse, é fácil perceber que aqueles quem vivem e surfam regularmente numa onda ou zona terão direito a uma "certa posse" sobre essas mesmas ondas. É claro que toda esta situação deve ser julgada com bom-senso por todas as partes de modo a que não se criem situação desagrádaveis.

Não sou adepto da violência, mas ao longo dos anos tenho-me deparado com pessoas na àgua que têm um ego demasiado grande e que apenas entendem a lei da força. Já assisti a situações em que um "apertão educacional" é a única forma de acabar com os excessos. É triste que assim seja...